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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

DOM ERWIN - CARTA À GOVERNADORA DO ESTADO DO PARÁ

Altamira, 21 de dezembro de 2007


Excelência,
S
enhora Governadora, Querida Ana Júlia Carepa,

Em poucos dias celebramos o Natal do Senhor e saudamos o Ano Novo. Que 2008 nos traga as mais copiosas bênçãos divinas e a realização de nossos sonhos. Queremos um mundo melhor onde não há excluídos do banquete da Vida. Queremos um mundo justo, fraterno, solidário.

Nestes dias de festa, a paz costuma ser o tema privilegiado que ultrapassa todas as fronteiras partidárias e de confissão religiosa. Queremos paz para nossos lares, nossas comunidades, nossa cidade, nosso Pará, nosso Brasil, o mundo inteiro!

Já no Antigo Testamento o profeta Isaías declara: “E o fruto da justiça será a paz. A prática da justiça resultará em tranquilidade e segurança duradouras“ (Is 32,17). Estou cada vez mais convicto de que onde falta esta Justiça, a Paz é lesada ou se transforma em lúgubre “paz de cemitério“.

Simplesmente não me conformo com o fato de ter sido anulado o 2º Julgamento de Rayfram das Neves, réu confesso do assassinato da Irmã Dorothy Mae Stang que desde 1982 trabalhou nesta Prelazia e consagrou sua vida aos mais pobres entre os pobres. Fala-se de questões de ordem técnica-processual. O povo jamais conseguirá entender estas filigranas ou artimanhas jurídicas. Na realidade, sentimos mais uma vez o gosto amargo de termos sido ludibriados. Todas as nossas campanhas em favor da Justiça, nossas reiteradas manifestações em que em praça pública exigimos Justiça deram em que? Nosso Pará há tempo é o campeão de violação de direitos humanos. Nunca cessaram os assassinatos, as ameaças de morte, os despejos violentos, o trabalho escravo. A decisão de anular o julgamento do assassino de Irmã Dorothy mais uma vez conspurca a imagem do Tribunal de Justiça do Pará perante a sociedade nacional e internacional, ainda mais nestes dias depois que a mídia internacional se inteirou dos fatos horripilantes e vergonhosos, ocorridos em Abaetetuba.

O mais esdrúxulo argumento para anular o júri foi inventado pelo advogado César Ramos da Costa. É uma rara amostra de cinismo despudorado! Chegou a alegar “que o réu, ao executar a freira, estaria potencialmente sob ameaça de 50 homens armados, 'os posseiros de Dorothy Stang, e que o juiz teria se recusado a considerar tal fato, ao elaborar os quesitos aos jurados“. A Irmã foi barbaramente executada! Depois de mais de dois anos, um advogado chega ao cúmulo de inverter os fatos, transpondo a Irmã de de sua condição de vítima à condição de ré, argumentando que ela no ato de ser assassinada teria estado “potencialmente“ circundada de cinqüenta homens armados! E pior, esse causídico consegue com seu sórdido arrazoado anular todo um júri!

Mas não é só o “Caso Dorothy“ que nos preocupa. Há outros tantos casos que nos espantam porque continuam impunes ou sem nenhuma providência. Passo a relacionar apenas alguns, de que temos notícia através de nossa Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Alto Xingu

Em 29 de julho de 2006, junto com a mencionada CPT que atua nos municípios de Tucumã, Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu, fiz a denúncia de três casos de violência contra trabalhadores em São Félix do Xingu, culminando em uma tentativa de homicídio e dois assassinatos.

O primeiro dos casos foi uma tentativa de homicídio contra o trabalhador rural Cláudio dos Santos Pontes, 34 anos, cujo inquérito policial indiciou como mandante do crime o fazendeiro Francisco Adebaldo Pereira de Araújo, proprietário da Fazenda Cristalina, São Félix do Xingu.

O segundo caso é o homicídio do trabalhador rural
Antônio Bezerra da Silva, executado com três tiros na cidade de São Félix do Xingu na presença de várias pessoas. Até a presente data não foi apurada a autoria do crime.

O terceiro caso é o assassinato covarde do menor Henrique Aparecido Ribeiro, de 11 anos de idade. Henrique era filho do trabalhador rural Sidney Aparecido Ribeiro, que trabalhava por aproximadamente três anos e meio na Fazenda Estrela do Xingu, São Félix do Xingu, de propriedade de Ronan Garcia dos Reis.

Todos estes crimes estão ligados a denúncias e reclamações trabalhistas. Apesar de nossas denúncias, a situação permanece a mesma. Nenhuma providência foi tomada. Os trabalhadores continuam sofrendo perseguição e retaliações quando procuram seus direitos.

Neste ano de 2007 surgiram mais quatro casos: duas tentativas de homicídio e dois assassinatos. Passo a relatá-los.

No final de janeiro de 2007 o Sr. Faustino Pereira Pinto procurou a CPT em Tucumã após ter recebido um tiro de raspão na cabeça durante luta corporal com um pistoleiro. Estava esperando o ônibus na rodoviária de Tucumã para viajar a Xinguara no intúito de denunciar o patrão, Wilson Schmidt, na Vara do Trabalho. No dia anterior, o trabalhador havia sido agredido na casa do ex-patrão, tendo uma das costelas afetada. O inquérito foi aberto, mas ninguém foi indiciado.

O trabalhador Luís Antônio da Silva Pinto foi encontrado morto à beira da PA – 279, a 10 Km da cidade de Ourilândia do Norte. Ele iria mover ação trabalhista contra o “Aragão”. O trabalhador foi enterrado como indigente e, na época, nem sequer um inquérito foi instaurado para investigar o caso.

Em abril de 2007, o trabalhador Raimundo Silva Lima que trabalhava na fazenda Xodó em São Félix do Xingu, depois de ter saído da fazenda e reclamado seus direitos trabalhistas contra o patrão Vilton Souza, foi perseguido por duas pessoas em uma moto e só não morreu porque no momento dos disparos, o trabalhador se jogou em um brejo embrenhando-se no mato.

Já no mês de março de 2007, o trabalhador rural José Roberto Viana Cabral pro-curou a CPT para fazer uma reclamação trabalhista. No serviço de derrubada sofreu um acidente de trabalho que comprometeu o movimento de suas pernas. No dia 02 de novembro, dia de Finados, José Roberto estava voltando do mercado com sua filha, de sete anos, quando foi parado perto de um bar próximo à sua casa, por dois homens que se diziam policiais. Exigiram seus documentos. Ao conferi-los disseram: “É este mesmo!” e dispararam dois tiros na cabeça do trabalhador, na presença da criança e outras testemunhas, fugindo em seguida numa moto. O trabalhador havia ingressado com ação trabalhista contra Avilton de tal (Supermercado Bom Tempo), para cobrar os direitos decorrentes da não-reintegração ao mercado de trabalho após a alta previdenciária. Havia audiência marcada para dia 16 de novembro de 2007.

Mais uma vez denunciamos a grande morosidade da polícia na investigação dos crimes, principalmente quando as vítimas são trabalhadores/as e sem condições financeiras.

Esses novos atos de extrema brutalidade atestam por si mesmos que os atentados contra a vida humana não cessaram. A impunidade é reflexo da falta de presença efetiva do Estado, Parece que não é a Lei, mas o revólver e o dinheiro que ditam as regras no Alto Xingu.

Junto com a CPT-Alto Xingu venho assim mais uma vez exigir providências sérias e decisivas para reprimir o clima de violência e morte que predomina na região.

As medidas mais urgentes, em nosso modo de entender, são:

1- Reforçar a Polícia Civil, notadamente os quadros que fazem a investigação policial;
2- Reforçar a Polícia Militar;
3- Melhorar o funcionamento do Judiciário, ampliando o quadro da promotoria (atualmente há apenas dois atuando em três municípios).


Conto com o empenho decidido de V. Excia. para que haja Paz na região do Xingu, como fruto da Justiça.

Feliz Natal e as bênçãos divinas para o Ano Novo!

Cordialmente,

Erwin Krautler
Bispo do Xingu

Obs: carta do mesmo teor foi enviada para: Ministro Paulo de Tarso Vannuchi, Secretário Especial dos Direitos Humanos, Tarso Fernando Herz Genro, Ministro da Justiça, Romeu Tuma Júnior,Secretário Nacional de Justiça, Antônio Carlos Silva Biscaia, DD. Secretário Nacional de Segurança Pública, Vera Lúcia Marques Tavares, Secretaria de Estado de Segurança Pública, Maria do Socorro Gomes, Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos, e ao SDDH.