Zé Vicente
Eu fui a Anapu no dia 12 de fevereiro de 2008, três anos depois de teu martírio, Ir.Doroty!
Tuas irmãs, teus irmãos, e toda a tua gente de dor,de luta e de esperança, nos acolheram, a mim, Luizinha Camurça(CPT) e Stênio Pérsico(músico), com alegria de quem sabe muito bem, fazer da morte uma celebração de Vida e Esperança insubmissas.
O caminho percorrido é longo e a caminhada está aí, lenta e desafiante, assim como aquele trecho da transamazônica, esburacada, escorregadia, quando chove e empoeirada, quando o sol esquenta.
Eu vi o Rio Anapu, que chegou até o altar, na Igreja de Santa Luzia, tua colega de testemunho e martírio, durante o ofertório, naquela celebração eucarística de confirmação pascal. E não importa se ainda é quaresma e via-sacra! Com o rio nos braços, os frutos cultivados de maneira sustentável, erguidos nas mãos, berimbaus, flores e troncos em chamas, eu vi, sim, eu vi jovens e crianças, dançando em saudação a Bíblia e às oferendas, num ritual de graça e alegria cristãs.
Eu vi e ouvi o grito profético de D.Erwin Krautler, lúcido bispo católico do Xingu, consciente de sua missão pastoral e dos riscos que corre. Sua palavra, extensão atual, do texto do evangelho do dia ( Mt.6,7-15). Contundente denúncia sobre o descaso de quem tem o poder de governar e fazer justiça - políticos, funcionários públicos, dos órgãos encarregados do zelo da floresta e da vida das famílias que ali estão.
“Pai Nosso, venha a nós o vosso Reino, da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça,do amor e da paz!”
Na sua mensagem, D.Erwin, assume a voz dos que não podem falar, assim como deve ser a missão de todo aquele que se põe a serviço do pastoreio de um rebanho, em terras de tantas feras vorazes em ambição de bens e dominação, não importando se o sangue dos justos caiam sobre si. Meu Deus, e essas feras são nossos irmãos na mesma espécie humana!
As denúncias ganharam coro e força,na mensagem dos movimentos sociais e pastorais de Anapu,lida ao final da celebração: “...no terceiro aniversário do bárbaro assassinato de Ir.Doroty, queremos lembrar e viver o seu sonho,um sonho que é também nosso...”
Todos os atos do dia foram temperados com poesias e canções, entre elas aquela que compus no tempo de seca e lutas de 1982, em Crateús-Ceará, “Utopia”, considerada hino da caminhada por ali. Eu ouvi e senti a firmeza nas vozes ecoando Igreja à fora, mata à dentro...
O momento singelo, de peregrinação, atravessando o rio, na ponte balançante, até a tua cova, Doroty, naquele recanto que escolheste,dentro da Floresta, foi marcante e passará a fazer parte de nossas memórias sagradas. O som de tua voz livre, feminina, profética e de teu sorriso contagiante, vive hoje, como nota irmanada ao canto dos grilos, dos pássaros, do vento nas folhas e daquela menina que falou com lágrimas nos olhos, contemplando o teu rosto impresso na cruz: “tirem ela daqui, pra mim levar pra casa!...”
A causa maior, que não é só tua, Ir.Doroty Stang, mas de todos os homens e mulheres de boa vontade, causa sagrada da vida, do Reino de Deus, permanece para além de tua imagem que percorreu o mundo naquele doloroso dia 12 de fevereiro de 2005, como vibração de esperança, mas também como incômodo clamor nos ouvidos dos criminosos assassinos de gente, de animais e da Floresta Amazônica.
E queime também, como fogo abrasador, nos corações de quem tem o dever da ação e está omisso e cúmplice, portanto, dos crimes sem solução, mas também nas almas de quem se diz cristão ou cristã e nada fala ou faz, para testemunhar o compromisso irrestrito e solidário com quem está na missão e correndo riscos de vida, por testemunhar o Evangelho de Jesus Cristo!
Zé Vicente, poeta-cantor
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